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SÃO FRANCISCO MARGINAL




CAPÍTULO I – ENQUANTO EU SEI QUE TEM TANTA ESTRELA POR AÍ
Era rotina , naquele verão, chegar e apanhar em casa. Mamãe sempre me batia com força na cabeça. Já tinha até acostumado. Relaxava os músculos do pescoço e a deixava bater sem deixar cair uma lágrima. Toda vez que minha mãe pegava meus escritos , poemas sem sentidos, soltos ,pelo quarto, começavam as pancadas. Não admitia , em hipótese alguma, um filho poeta ou desenhista. Queria um advogado, que cuidasse das leis e da pensão dela, para quando ela se separasse do meu pai. Coisa que nunca acontecia...
Mamãe me batia porque não tinha outro escape. Seus tapas já não me importavam e muito menos sentia dor. Criei uma rotina de desespero e angústia que suportava tudo. Eram tapas certeiros ao pé do ouvido, que me deixavam horas sem escutar um som. Sua mão só diminuia o ritmo, quando ela notava que não fazia a mínima diferença. Ela saia ralhando pelos cantos e gritava do corredor que era pro meu bem.
Eu ficava sentado na minha cama e tentava pensar em uma música que me desse conforto para aquelas horas. Às vezes me pegava cantarolando S.O.S de Raul Seixas. Uma canção que pede para Ets o levarem da terra, com tanto estrela por ai... Às vezes queria ser super-herói, sem roupa espalhafatosa ou fantasia idiota, queira sair andando por ai, salvando vidas enquanto fugia de mamãe para escutar o mundo.
CAPÍTULO II – EU CONHEÇO BEM A FONTE

Quando me trancava no quarto para estudar para alguma concurso de algum tribunal qualquer, minha mãe se orgulhava. Vinha meiga e convencida de que eu seria alguém na vida ,exercendo o Direito e perdendo a vida entre papéis e memorandos. Estudava e fazia seu gosto, mas no fundo sabia que exercer Direito não passava pelo meu destino. Muito embora tivesse me formado e, ainda, contra minha vontade estar estagiando em um escritório de um tio meu.
Papai era uma sombra, mais daquele homem amargurado e sem vida que lia jornal e só me observava com os olhos,tinha um homem que desconfiava que eu estava me tornando ele. Vez ou outra, ele me pedia para ver meus desenhos e poemas. E me perguntava onde era minha fonte. De onde decalcava os desenhos. Sem entender que criava aquele mundo, embaixo dos livros de Direito enquanto fingia estudar.
Somente eu, conhecia bem a fonte daqueles desenhos. Aquilo para mim era minha maior obra. Tinha um falso orgulho de criar mundos e galáxicas. Enredos e estórias que , somente eu, e às vezes meu pai, lia. Sabia que pelo seus olhares, ele não confiava que eu poderia criar aquilo sem meramente copiar. Isso me deixava orgulhoso, meu pai inerte e controlado pelos gritos de mamãe, não confiava em mim. Eu agradecia.

CAPÍTULO III – COMO É QUE POSSO LER SE NÃO CONSIGO CONCENTRAR MINHA ATENÇÃO?
A vizinha do andar debaixo me convidou para ensiná-la álgebra. Sendo que antes já havia dito que odiava matemática. Que para mim os únicos cálculos que sabia eram as métricas dos poemas. Mas ela queria aula. Queria a forma mais pura de se aprender anatomia. Queria me entupir de beijos enquanto respirava fundo. Queria sentir o meu sentido no peito dela. Queria muito,muito. E eu a  desejava de forma sistemática e enfadonha, continuamos por um longo tempo nessa forma estranha de se analisar.
Érica era seu nome, quinze anos e muito hormônio para dar. Eu, com trinta e três, sabia bem o mal que havia me envolvido. Mesmo sabendo que fora seduzido por ela, não teria provas suficientes para dizer a todo mundo que ela que me tirou da minha tosca rotina para entrar no seu mundo pervertido e sexual.
Foi Érica que me deu coragem para encarar o mundo, enfrentar ou pelo menos ter coragem de fugir das surras de minha mãe. Foi ela, com sua juventude pervertida e seu ar clichê de lolita que me fizeram balançar o sangue no meu tosco corpo. Foi dos seu sussurros de quero mais que tive a sensação de que aquela vida já não me bastava.Foram dos seus gritos e de seus cálculos mal feitos que surgiram em mim a coragem que tanto me faltava e que me faziam aguentar heroicamente todos os chutes e pontapés, tapas e arranhões de minha mãe. Foi Érica que roubou minha atenção.
CAPÍTULO IV – E DAS TEMPESTADES JÁ NÃO TENHO MEDO


Tinha acabado de voltar das aulas do curso preparatório, quando minha mãe me aguardava com cara de juiza na sala. Meu Pai se retirou selencioso e balançando a cabeça. Estavam na sala, sobre a mesa, toda a minha coleção de Hustler. Como ela havia achado aquilo? meu maior segredo escondido e calculado para nunca ser encontrado. Havia feito um fundo falso na última gaveta do meu guarda-roupas e colocado por cima todas as minhas apostilas de Direito, impossível de serem achadas.
Depois de um sermão de quase meia hora, ela me deu a maior surra que já havia dado. Desgastou seu chinelo , passando para qualquer coisa da sala que estava a seu alcance. Fui atingindo por um cinzeiro que fora do meu avô e de vários objetos , seguidos de diversos tapas e telefones no meu pobre ouvido.
 O show de ódio só não foi maior por que foi interrompido pela Érika e sua mãe. Impulsionada pela filha, as duas subiram para verificar o barulho. Mamãe vermelha e desconcentrada foi abrir a porta, esquecendo seu filho jogado no sofá e com vários hematomas no rosto. Sai devagar para o quarto a ponto de somente trocar olhares de gratidão com aquela menina. Triste saldo de um dia, minha vida salva por uma debutante.

CAPÍTULO V – NÃO SEI ONDE EU TÔ INDO MAS SEI QUE EU TÔ NO MEU CAMINHO

Naquela noite, mamãe ainda bateu em minha porta dizendo que o jantar estava no forno e me recriminando por namorar uma menina mais nova .Ela falou que o jantar estava esfriando e disse que ela entendia o que Érica sentia por mim. Passei algumas horas desenhnado um esboço de quadrinho, onde eu falava para meus pais o motivo da minha fulga. Milimetricamente desenhado em três páginas, deixei embaixo da porta do quarto de meus pais.
Estavam lá, as surras indigestas ,o  amargor de minha mãe e o marasmo do meu pai. Optei pelo deboche e pelo escatológico para representar em poucos desenhos meus pais. Mamãe comia vidros da janela para esquecer a vida e defecava copos. Papai transava com jornais na sala e era pai de três enciclopédias. Tudo muito detalhado nas expressões do dois, os desenhos era a minha visão real dos meus patéticos e humanos pais. Achava ,e ainda acho, que eles se assustaram com aquilo. Nem sei se eles tiveram a real sensação de que era para avisar da minha fuga que havia desenhado aquilo.
Peguei minhas revistas e filmes pornôs e uma magra sacola com roupas, mais o dinheiro da semana. Ainda tive o despudor de roubar o dinheiro de minha avó entre os bordados e fugir com uma debutante.

CAPÍTULO VI – O CAMINHO DO CERTO É O ERRADO
Eu precisaria bem mais que seiscentos reais para sobreviver fora de casa. E ainda tinha Érica, adolescente e sem nenhuma permissão para que ela tivesse ao meu lado. Passamos o primeiro dia a vagar pela rua, depois de ter acordado em um motel vagabundo que servia café após a pernoite... Naquele instante Érica servia... Seu corpo e sua vitalidade me davam ânimo para o que eu havia planejado e executado. Ela me fazia bem, mas me causava desconforto após um lapso de lucidez passar pela minha cabeça.
Beijar sua boca molhada e fundar partidos, jogar buraco, lamber suas pernas e dizer eu te amo compulsivamente,faziam-me sentir um adolescente. Sabia que tinha fim aquela ilusão e que minha estrada seria sofrida e sem volta, porém me separar de Érica e suas pernas grossas e lisas , de seus cabelos e fome infantil; deixar aquela pequena espécie de mulher em desenvolvimento, de sexo pequeno e quase sem o cheiro dos anos , da pele branca e comportamento compulsivo, foi minha maior provação nesses anos.
Após desgastantes passeios pela cidade, dormimos em mais um hotel barato pelas intermidiações do centro . A amei mais que podia, beijei-a como se ela fosse a morte. Depois,deixei 30 reais pro táxi e a certeza de que Deus sempre olha o que se faz dentro do banheiro.
CAPÍTULO VII – AO SOM DA FLAUTA DA MÃE SERPENTE
Mamãe aos berros forçava meu pai a correr por todas as delegacias da cidade. Não sei se por amor ou por solidão mamãe já não podia deixar de viver sem a minha presença. Papai era um mero figurante para seus gritos. Apenas balançava as sobrancelhas e concordava sistematicamente com tudo. Decidi raspar minha cabeça e deixar a barba crescer para que não tivesse a infelicidade de ser levado para casa de volta. Jamais me perdoaria se errasse e voltasse para debaixo dos braços de minha mãe e para as observações desnecessárias do meu pai.
Enquanto fugia dos meus pais e de Érica, ficava cada vez mais certo de que passaria aperto no mais tardar no sábado(sete dias após a minha fuga), estava apenas com duzentos e cinquenta reais depois de gastar em hotéis baratos e comer joelhos com vitamina de mamão pelos bares  da cidade. Havia aumentado um pouco as provissões , depois de me desfazer da minha coleçao de revistas e fitas pornôs. Decidir então apelar para banhos pagos na rodoviária e a vagar e dormir em lugares públicos. Economizaria em hotéis e sobraria mais para comida. Enquanto tratava de pensar o que fazer para sobreviver pela cidade. O pior vivenciar um plano é descobrir que você não o traçou, apenas tentou ou no impulso de fugir do veneno de minha mãe ,corri, sem saber que já tinha sido picado por ela.
CAPÍTULO VIII – VAI SAIR UM NOVO GIBI
Na rua olhava com olhar de cachorro morto as prateleiras das grandes confeitarias e lamentava não comprar mais um número da Pixel Magazine. Numa dessas lamentáveis e funestras observações, me vi olhando para uma bela dupla de mulheres malabaristas que brincavam com o fogo ao fechar o sinal. No final da tarde me peguei seguindo elas e observando a quantia que ganhavam, razoavelmente, era uma quantia necessária para se viver por um dia. Tirando o fato do querosene na boca e os muitos finos de carro pelos pés das duas, fiquei com uma certa inveja e desejei ganhar a vida assim.
Lola e Lila eram as duas irmãs gêmeas, de cabelos loiros e signos diferentes. Nasceram, uma as 23:50 de um dia e a outra já na divisão do outro dia. Sendo portanto uma de Libra e outra de escorpião. Lola , a libriana parecia uma hippe de botique, blusa com bastente cor e fina e uma calça larga que escondia suas formas perfeitas. Tudo nela lembrava delicadeza. Lila, tinha o rosto mais rosado e fazia questão de exibir suas formas, com uma mine blusa e uma calça de cintura baixa, quase mostrando os pelos pubianos. Era mais arredia e desconfiada. Era melhor equilibrista e cuidava sempre do dinheiro. Dinheiro, aliás, que eu salvei, correndo e pegando um magro trombadinha faminto. Minha primeira boa ação na rua assim como um herói de gibi.
CAPÍTULO IX – MEU PRINCÍPIO JÁ CEGOU AO FIM
Em um pequeno apartamento da zona nobre da cidade me vi passando dias e horas com as duas gêmeas solteiras e malabaristas. Amantes da vida livre , elas haviam rasgado os diplomas de psicologia e resolvido ganhar o dia fazendo malabarismo com o fogo. Uma da água e outra do ar passando o dia manipulando o fogo. Bela distração, que segundo elas , as vezes arrecadavam até 500 reais por dia e diversas propostas indecentes também. Filhas da classe média alta e bem resolvidas finaceiramente resolveram adotar o estilo para romper barreiras que ainda não conheciam nos seus pouco mais de vinte e três anos.
Uma bela diversão, melhor ainda passar ao lado delas, perdendo tempo ouvindo histórias fúteis e brigando por um cigarro de maconha. Elas ouviram a minha vida, lamentaram com a mesma proporção que esqueceram. Nos divertíamos sem nos preocupar com o tempo. Foram duas semanas ,sete horas e alguns segundos e segredos que me fizeram crer que estava certo ao pegar o rumo da estrada. Enquanto Lila se divertia em descobrir a melhor posição para o seu prazer, Lola era mais doce e delicada. Confesso que às vezes elas de tanto brincarem entre si, eu nem mais sabia com quem dormia. Na cama, cada uma a seu modo e observação, me deram grandes momentos de prazer , calados apenas pela bebida e fumaça.
CAPÍTULO X – CADA UM DE NÓS É UM UNIVERSO
Por Lola e por Lila, ficaria ali até entender o sentido da vida e o porque de abandonar tudo e vagar pelas ruas. O que elas não entendiam e muito menos fiz questão de explicitar, era que aquele momento apenas ganhava tempo para seguir a frente. E ainda, ao melhor dos prazeres, comer melhor, beber um doze anos e fazer sexo sem o compromisso dos amantes e namorados ,e, sem o peso de pagar para tê-lo. Por elas, ficaria ali prostado e até esquecido, enquanto elas cuspiam fogo pela cidade e voltavam rindo pelo ato dar ,até certa forma, um alimento para o estilo de vida que adotaram.
Por um lado, Lola e Lila, apagaram de vez da minha cabeça Érica. Impossível um homem lembrar de uma adolescente depois de horas e horas de sexo com duas irmãs gêmeas descompromissadas com o tempo e com tudo. Érica sumiu, assim como ,sumi do apartamento das gêmeas que brincavam com o fogo e com as horas, com a certeza de que havia pago mais uma provação. Sai de lá com o gosto azedo do sexo das duas, com lembranças espassas e com a sensação  de inseguraça dos dias que viriam e das noites que seguiriam. Com meus míseros 200 reais no bolso e mais 1.000 reais da caixinha aberta das gêmeas, deixei meu paraíso provissória para entrar no meu inferno permanente de dúvidas, medo, fome, desejo e inércia.

CAPÍTULO XI – ANDO COM MINHAS CABEÇA JÁ PELAS TABELAS
Andando pelas ruas da periferia, percebi  que havia deixado um pouco de mim com Lila e Lola. Elas me consumiram a ponto de ser difícil a nova adaptação pelas avenidas e ruas e hotéis baratos. A verdade, é que não tinha a mínima noção do que faria. Mas decidi não parar para pensar um só momento, nem um minuto para calcular o futuro e ver as diversas possibilidades que podiam me aguardar naquela vida.
Desci do ônibus em um bairro que não me recordo o nome e segui andando e olhando a paissagem de cada quadra. Andava muito até secar a garganta e tornei-me um observador de pessoas. Estava aprendendo a diferença de cada grupo por bairro. E podia chutar, sem exagero, o que uma pessoa sentia só pelo olhar. Pelo menos esses dias de andarilho e solidão me fizeram ter uma virtude que pouco exercitava: observar as pessoas, olhar no rosto de quem passa. Nesses dias e noites vi olhos de desespero, pressa, confusão , maldade, loucura, raiva e muitos outros sentimentos escondidos em meio a agitação e a falta de proximidade nesses tempos modernos.
No meio das pessoas e pesamentos travados, comecei a sentir uma imensa dor no ouvido, seguida de uma profunda dor de cabeça. Parecia que agora, as surras de mamãe vieram me cobrar os anos de indiferença.

CAPÍTULO XII – NÃO É QUE EU FAZER IGUAL, EU VOU FAZER PIOR
Logo após as intermináveis dores de cabeça do dia, minha visão ficava turva e minha audição aumentava dez vezes mais, a ponto de escutar conversas do outro lado da rua e ou de dentro das lojas. A audição não me pareceu problema, às vezes até me divertia de ouvir o que as mulheres falam no troca roupas de uma loja. O que de fato me incomodava era quando a visão ficava turva e via pessoas que logo após sumiam. Pareciam miragens perante aquelas loucas alucinações que vinha apresentando.
Perdi a completa noção de tempo nessas duas últimas semanas, ficava em lugares cada vez mais baratos e vagabundos e ouvia absurdos entre as paredes. Quase não tinha mais dinheiro e em uma certa tarde, fiz mais outra grande ação. Ouvi a uma certa distância três meninos de rua combinando de roubarem o ofertório de uma igreja. A igreja era de São Jorge ,um santo que sempre fui devoto. Esperei eles fazerem a ação e os interpelei correndo na esquina. Os três já estavam rendidos por um homem vestido de terno preto e sapatos bicolor(branco e preto) e uma enorme chapéu branco com uma fita preta o envolvendo.
Os três sairam correndo esquecendo o ofertório no chão, ele levantou a sua vista e me encarou. Deu-me o ofertório , onde devolvi imediatamente para a igreja, sendo comparado a um herói. Sem dinheiro e com fome, fiz minha boa ação.O homem havia sumido pelas ruas da cidade.
CAPÍTULO XIII – DESEJO, NECESSIDADE E VONTADE
Procurando em meu bolso as últimas notas de dinheiro que me restavam, tive a sensação de que possuia muito mais que imaginava, aliás, ou eu havia descoberto uma forma de multiplicar cédulas , ou estava completamente sem noção do que havia gasto. Pelas minhas contas restava bem pouco do que havia pedido emprestado as gêmeas. No entando somava-se no meu bolso uma enorme quantidade de cédulas.
 Imediatamente quando pensei no homem de terno preto, ele apareceu na esquina sentado a uma mesa de bar, tirou o chapeu, coçou a testa, colocando-o seu acessório no colo. Pegou um copo e bebeu o que parecia ser Wiski, tomou todo o líquido, batendo o copo na mesa. Riu, uma gargalhada muda e se levantou olhando pra mim, para depois sumir virando a esquina de um cruzamento de duas grandes avenidas da cidade.
Aquela imagem ficou na minha cabeça por dias, e cada vez mais tinha a certeza de que fora ele que me ajudou, colocando de alguma forma o dinheiro no meu bolso,cerca de 3.800 reais, o que me deu folga para ir em hotéis melhores e até se dar o luxo de pagar garotas de programa pela noite. O fato é que fiquei pelas intermediações da avenida onde eu o avistei pela última vez.Em uma dessas noites a esmo, um senhor de capa preta me parou na esquina. Tentei me lembrar se devia algo...
CAPÍTULO XIV – É INÚTIL DORMIR QUE A DOR NÃO PASSA
O homem era bem alto, vestia uma calça preta com uma camisa vermelha manga longa. Calçava sapatos pretos e usava um bonito chapéu da mesma cor. O que mais chamava atenção porém, era a sua imensa capa preta com fundo vermelho. Ficamos mudos, um olhando pro outro, acredito que uns trinta segundos no máximo. Tive todo o seu pensamento gravado no meu, lia-os como se ele estivesse pronuciando palavras para mim. Ele me alertou para uma casa perto do hotel e me pediu para salvar aquela que seria uma afilhada sua. Foi rápido, e não pediu, ordenou.
Saiu virando a esquina, e tive a certeza que estava atrasado para cumprir a ordem que havia obedecido. A casa a que se referia era um ponto de encontro de boêmios e nos fundos funcionava um prostíbulo.Das quatros noites que havia passado no hotel ao lado, escutava mulheres gritanto, às vezes de prazer e às vezes de puro medo e angústia. Não tardei em conhecer a mulher a que o homem se referia.
Ela era de uma beleza exótica e aparentava ter mais idade do que tinha. Tinha os olhos e enormes cabelos  negros e vestia uma blusa vermelha cheia de babados e uma saia que pareciam varias saias dentro da outra, no total de sete. Estava bêbada e prestes a ser espancada , se não fosse pela minha rápida ação ao ler o pensamento de quem queria atacá-la. A noite estava apenas começando para mim.
CAPÍTULO XV – NEM SEMPRE SE PODE SER DEUS
Dois homens se dirigiam com todo ódio para cima dela. Parecia que devia algo, que traira alguém, que tinha feito alguma coisa bem grave, a julgar pela expressão dos dois homens. Ela fugindo de qualquer expressão de preocupação, ria e bebia ainda mais seu martine.
Eu não a julguei, e ainda comprei o seus pesadelos e erros. Em menos de um minuto dois homens estavam jogados sobre o chão com várias garrafas quebradas. As pessoas aplaudiam e ele ria ainda mais, balançando seu corpo e dando várias rodadas ,fazendo um efeito hipnótico pela sua saia de sete babados coloridos. Ela me ofereceu a bebida do seu copo, e me pediu para fazer um pedido. Bebi um leve gole, e fiquei envolto em pesamentos esparsos sem pedir uma coisa concreta. Ela gargalhou e sumiu pela porta do banheiro.
Sai do bar e segui para o hotel, com uma leve sensação de que a bebida me deixara em um estado de letargia. Andava e conseguia ouvir meus passos em sons altos que incomodavam meu ouvido. Ao chegar em meu quarto, tomei um banho e tirei todas as manchas de sangue do rosto. Deitei um pouco e antes que dormisse, a campainha tocou, sete mulheres vestidas de vermelho de diferente formas, entraram e me fizeram perder a noite. Se a realidade se esvaiu na bebida, aquele sonho foi bem real para minha fraca imaginação pensar.
CAPÍTULO XVI – DESCANSA MEUS OLHOS, SOSSEGA MINHA BOCA
Fugindo do barulho dos engarrafamentos do começo da noite, andava por atalhos de becos escuros que ladeavam os prédios da cidade. Num desses becos comecei a ver uma legião de crianças. Desesperadas elas gritavam e tentavam me arastar como que se me pedisse socorro. Duas delas estavam muito machucadas. Uma havia levado um tiro no olho esquerdo e a outra parecia que haviam raspado seu crânio. Essas duas crianças apontavam e me mostravam o fundo de um prédio pequeno de quatro andares. Segui as quase vinte crianças, lideradas pelas duas que iam à frente.
Avistei uma enfermeira saindo pela porta dos fundos, elas riam e não notaram minha parca presença escondida nas escadas de incêndio de um outro prédio, e muito menos as crianças desesperadas. Entrei pelo porta deixada aberta por elas e segui em um corredor escuro com várias divisões que pareciam quartos, em um deles, uma jovem de olhos verdes cintilantes ,de bata e sentada em uma cama, penteava os cabelos. Não demorei muito para ver que aquilo era uma clínica de aborto e que aquela menina havia feito um, ou estava prestes a fazer. A tirei de lá sem perguntar seu nome e muito menos sem saber o que estava fazendo. Ela teve tempo apenas de se vestir e pegar sua bolsa, e eu apenas de olhar no seus olhos e saber que estava fazendo a coisa certa.

CAPÍTULO XVII – QUERO FICAR NO TEU CORPO FEITO TATUAGEM
O seu nome era Ellen. Chegei a tempo de impedir seu aborto. Grávida de dois meses e abandonada pelo namorado, ela havia decidido que iria tirar o bebê. O médico havia atrasado e as enfermeiras foram comer algo na rua. Nesse espaço a salvei, fiz minha boa ação, as crianças sumiram e seu filho ria no ventre. Nesse mesmo espaço, me apaixonei pelos seus olhos, pelas suas formas de 17 anos e poucos dias e cuidei dela como se fosse minha. Como se fosse a última mulher na terra e a mais doce princesa que habitava meus sonhos.
No terceiro dia já havíamos contatado nossos segredos e ríamos da nossa própria sorte, ela me entregou seus 5.000 mil reais conseguidos para o aborto e ainda me deu toda e completa segurança para confiar nela. Ficamos uma semana inteira apenas vendo tv, comendo sorvete, e pedindo comida do CHINA da esquina. Quanto mais as horas passavam mais e mais tínhamos a certeza de que éramos feito um para o outro, ou pelo menos a paixão que se iniciava naquela semana nos fazia crer nisso.
E Ellen me entregou seus segredos da mesma forma que se entregou a mim. Suas voz no meu ouvido e seu sorriso ficariam sempre marcados durante aquele verão insuportável. Eu lhe prometi diversas coisas que não podia cumprir, me ofereci para criar seu filho muito embora não fosse minha vontade. Ela aceitou e apenas sorriu.
CAPÍTULO XVIII – SAIA DE MIM VOMITADO ,EXPELIDO, EXORCIZADO
Na esquina do hotel onde estava hospedado com Ellen, tinha uma padaria onde sempre comprava sonhos para ela. Tinha descido e já estava voltado quando ouvi dois gritos enormes vindo da direção do hotel. Eram gritos de medo , estridentes e muito alto, no entando parecia que só eu escutava. Eram de Ellen, tinha certeza. Corri , atropelando algumas pessoas pelo caminho,e, ao passar pelas escada do hotel, que davam acesso ao meu quarto, cruzei com três crianças trajadas de branco e muito sorridentes. As três andavam de mãos dadas e nem sentiram a minha presença.
Olhando melhor, percebi que duas crianças eram do mesmo grupo de meninos que me guiaram pelo beco escuro. A outra criança, tinha o olhar e sorriso de Ellen. Entrei imediatamente no quarto e vi que Elle estava encostada na porta do banheiro. Completamente nua e sangrava muito. Não conseguia me mexer a ponto de chegar até ela. Apenas observava suas feições se esvairem em um pranto jamais visto. Ela não percebeu minha presença em nenhum momento apenas gritava e sangrava. Aparecertam do seu lado duas pessoas de rosto coberto por uma espécia de capa que iam até os pés. A roupa também possui um manto vermelho cheio de detalhes dourados e calçavam botas brancas. Elas levataram Ellen e a levaram para dentro do banheiro. Sem dar um passo, sentei-me no chão e adormeci.
CAPÍTULO XIX – TUDO ISSO AS VEZES TUDO É FÚTIL
Acordei duas horas da tarde, espantado e com uma imensa dor de cabeça. Parece que havia bebido horas e horas até parar em coma alcoolico. Parece que Ellen havia levado minha alma consigo. Lembrava absolutamente de tudo que havia passado e visto, quadro por quadro, momento a momento; só não sabia explicar: o que era Ellen, o que era aquilo, o que as crianças faziam descendo a escada como fantasmas.
De todas as perdas que tive na minha pequena existência, Ellen foi a que mais doeu. Talvez pelo trágico final da nossa relação, havendo ainda o filho, que por bem ou mal já era meu. Passei três semanas vivendo como um trapo. Sem fazer a barba e bebendo desesperadamente wiski barato. Entreguei-me levemente ao vício, consumindo me horas marcadas cocaína e Haxixe. Parecia que Ellen estava em cada carreira aspirada , em cada gole passado pela garganta, em cada fumaça produzida. Em cada erro e em cada entrega minha eu exergava ela dizendo para parar e as vezes tentando conduzir-me ao banheiro para tomar banho.
O pior de toda paixão é exatamente se livrar dela. Você se apega e se transforma. Acho que fomos programados para suportar o fim dela. O que não se suporta é perder uma paixão assim como me tiraram Ellen. Seja o que o destino programou pra mim, mas quem o traçou me esqueceu no caminho.
CAPÍTULO XX – O MALANDRO ANDA ASSIM DE VIÉS
Já estava indo para o primeiro mês de abandono, quando acordei assutado com a sensação de alguém me olhando. E não era só sensação, estava de pé a minha frente, um homem alto, negro, trajando um terno branco, gravata e lenço vermelhos, calçava sapatos pretos e tinha na cabeça um chapéu branco. Ele olhava lentamente para todo o quarto, analisando a obra de abandono que se instalara ali. Caminhava e voltava o olhar para mim, sempre me deixando ao seu alcance na visão.
Entrou no banheiro e saiu com um copo de cerveja na mão. Tomou um gole e colocou sobre o móvel a sua frente. Levantou as duas mãos e fez o número oito. Pegou o copo, bebeu mais um gole, sorriu pra mim, fez um cumprimento com o chapéu e entrou pelo banheiro. Logo após sua saída, tive ânimo suficiente para entrar no banheiro, tomar banho, fazer a barba, levar a roupa para lavanderia, e pedir para o hotel uma troca de quarto. De mudança feita e espírito novo, estava ainda com 1.000,00 reais no bolso para poder encontrar uma solução na minha vida.
 Depois de Ellen, pouco me importava o que viria pela frente. Para mim dois reais no bolso e a comida na barriga bastava. Era o que tinha de me precoupar. E foi sem preocupações e sem fome, revigorado, que eu sai do hotel ao encontro com o homem de terno branco, sem saber ao certo onde ia me encontrar com ele.
CAPÍTULO XXI – EU COMUNICO, NÃO PEÇO
As oito horas da noite , em ponto, estava andando pelas ruas nas proximidades do hotel e tive a nítida sensação de que ia andar horas e não ia encontrar aquele homem de terno branco e gravata vermelha. Estava quase desistindo quando eu o encontrei na esquina, em um bar tomando cerveja. Olhou-me de viés, levantando imediatamente e saindo andando em passos acelerados, como quem estivesse me levando para algum lugar.
Entrando em um rua com diversos bares e alguns travestis fazendo programas, ouvi quase que no  final da rua uma barulheira enorme de pessoas brigando. O homem de terno branco e gravata vermelha andava apreensivo em direção ao final da rua. Mais perto pude ver duas mulheres histéricas e dois homens batento , chutando e jogando pedras em um homem. Ele era magro e aprentava uns quarenta anos. A julgar pela intensidade do ataque de quatro pessoas, ele seria morto em poucos minutos. O homem sangrava muito e uma criança de cinco anos tentava separar, do outro lado, aquela que parecia ser sua mulher, gritava pedindo ajuda.
Eu e o homem de terno branco e gravata vermelha, entramos na briga devolvendo as fortes pancadas nos homens valentões e por último leves tapas no ouvido das mulheres. Uma quis medir força e levou um murro no meio dos seios. Todos correram e nos viram entrar no táxi com o ferido.
CAPÍTULO XXII – NO DIA SEGUINTE O SEGUINTE FALHOU
Do táxi o deixamos na porta do hospital e ele foi devidamente atendido. Nos despedimos, e voltamos para a rua onde havíamos visto o acontecido. Fomos aplaudidos pelos travestis daquela noite e algumas mulheres do prédio aplaudiam nossa atitude. Uma das mulheres que estava batendo no ferido tentou tomar satisfação com cacos de vidro na mãos, foi colocada para correr a soco e pontapés e facadas proferidas pelo homem de terno branco e gravata vermelha.
E lá ficamos a noite toda, bebendo e dançando com algumas prostitutas, travetis e vapores de drogas da noite. A mulher do homem ferido e seu filho passaram pelo bar e nos agradeceu, chorando compulsivamente, ela nos deixou paga dez cervejas como gratidão. Eu tentei recusar, mas o homem de terno branco e gravata vermelha, riu e fez o sinal de negativo com a cabeça.
Na máquina de caça níquel escondida no canto do bar, o homem de terno branco e gravata vermelha, colocou uma nota de cinquenta reais amarrada a uma linha, a maquina registrou o valor e ele puxou astutamente, registrando não só o valor como ganhando minutos depois uma quantia significativa em dinheiro.
Soltando uma gargalhada , ele me deu a maior parte do dinheiro e gastamos o resto em bebida só parando com o raiar do sol e a espuma de sabão da limpeza nos pés.
CAPÍTULO XXIII – DA MELHOR MANEIRA POSSÍVEL
Difícil é acordar depois de uma noite cheia de aventuras e bebidas, e ainda com uma mulher desconhecida ao seu lado. Ela ainda dormia nua ao meu lado quando acordei, tinha a pele escura e lisa, seu corpo era impecável mas seus seios espalhados , tinha o nariz arrebitado na mesma proporção que seus cabelos “olhavam” para cima. Quando acordou me fez carinho como se fosse minha mulher e foi ao banheiro com uma intimidade suficiente para andar nua. Parecíamos marido e mulher...
Ela voltou do banheiro , ainda nua e perguntou o que iríamos comer. Estava faminta e as cinco da tarde , eu também já estava. Desci e fui pegar alguma comida no china, o que pelo horário da tarde, seria alguma coisa fria e com bastante molho de soja. Voltei e ela estava ainda mais bonita , com seus seios caídos, seus cabelos revoltos (já quietos) e seu sorriso (de dentes brancos)  espalhafatoso foi aberto logo quando ele viu a quentinha de comida. Agradeceu, comeu tão rápido que nem imaginava qual sabor teria aquela fria comida do china. Nem deu tempo de falarmos sobre o péssimo almoço, e ela, que já havia devorado o seu, caiu-me de beijos e mordidas. O começo da noite parecia destinado ao arroto da soda que bebemos e ao gosto de molho de soja entre linguas que se cruzavam. Ela me abandonou levando consigo, meio litro de refrigerante, meu barbeador elétrico e todo meu dinheiro.
CAPÍTULO XXIV – TEM GENTE PRA SENTAR PRA ME VÊ
Sem dinheiro para pagar a semana seguinte do hotel e sem nenhuma idéia de como ganhar dinheiro fiquei apreensivo. Peguei o pingente que Érika havia me dado, como prova de sua paixão por mim, onde havia uma foto sua dentro de um coração. Aquela paixão de adolescente havia se esvaido de mim e troquei por míseros cem reais seu cordão de ouro na praça perto do hotel. 5,4 gramas de ouro ,sem remorso, se foram na mão de um ourives vagabundo. O rosto dela fora derretido perante minha pobreza de espírito e material.
Na volta olhei o homem de terno preto e sapato bicolor apontando para o número da casa ou comércio que passava. Ele pulava algumas combinações , e meio que queria me avisar sobre alguma coisa. Aquela combinações deviam me levar a alguma coisa. Passei em todos os estabelecimentos anotando todos os números que ele havia me apontado.
Continuei seguindo o homem de terno preto e sapato bicolor, até que ele parou em um largo ao lado de um ponto de jogo do bicho e tirou seu chapéu branco com fita preta fazendo menção de que devia jogar. E o fiz. Joguei todas as combinações possíveis, sempre jogando na cobra,uma homenagem a puta que havia me amado com gosto de molho de soja e me feito dormir como um bebê desprotegido em um hotel vagabundo de colchão fino.
CAPÍTULO XXV – O POETA É SEMPRE MALANDRO
Das poucas certezas da vida, a que mais apostei foi o fato de que estava no caminho certo. Fazendo a coisa certa e , de maneira inusitada, fazendo até o bem. Havia conhecido mulheres inesquecíveis, havia ganho dinheiro sem muito esforço e havia me livrado das surras quase diárias de minha mãe e da burrice e moleza de meu pai.
Não sentia o mínimo remorso do que havia feito, e ainda tinha a certeza de que poderia ainda ser reconhecido do que fazia. Foi em um desses lapsos de análise do futuro que me peguei sendo olhado pelo homem de terno branco e gravata vermelha. Ele ria e balançava notas de dinheiro que sumiam instantâneamente de suas mãos. Ele se dirigiu a porta e o segui até o ponto de bicho. Até entender o que o homem de terno branco e gravata vermelha queria , um homem gordo , negro e com a camisa de time de futebol com uma faixa preta dividindo-a no meio, veio me dar os parabéns. Ele havia decorado o dono do jogo e sabia que tinha vindo de minha mão a aposta premiada.
Deu cobra na cabeça, o mesmo veneno que havia provado e ficado sem dinheiro , eu usei para ganhar ainda mais do que perdi , lembrando do gosto de molho de soja da mulher de pele negra, seios caídos, dentes brancos, cabelos assanhados e corpo escultural. Provei do seu veneno e o cuspi para fora , acertando naquela tarde no bicho. Deu cobra na cabeça e dinheiro no  meu bolso.
CAPÍTULO XXVI – PEGO O CHICOTE DE OURO COM FIOS DE NYLON
Parei no bar com os dois homens na mesa. O de terno branco com gravata vermelha e o de terno negro com sapato bicolor. O primeiro comeu bife mal passado e o segundo um peixe a escabeche. Paguei a conta dos dois e saímos andando até o anoitecer completo da cidade. O homem de terno preto e sapato bicolor nos apontou um beco e lá vimos três mulheres que pareciam , pelo traje, ciganas desesperadas. Elas apontavam para uma prédio semi abandonado , os dois homens seguiram-nas e eu fui no rastro. Entramos na prédio e vimos um homem que aparentava seus cinquenta anos, mal trajado e sujo, tentando estuprar três meninas que aparentavam 12 anos. As três tentavam gritar, mais eram impedidas pela corda sobre a boca. Dois cachorros também estavam amarrados e ele dava chicotadas para eles pararem de latir.
Uma das ciganas me deu um chicote de ouro com fios de nylon que proferi sobre o homem que se assustou com a minha presença, os dois malandros liberam os cães e as ciganas soltaram as meninas rasgadas e bem assutadas. O velho foi perseguido por mim, pelo prédio abandonado e se jogou por uma janela do corredor do quinto andar, morrendo em cima de um teto de carro abandonado.
Quando voltei não havia mais ninguém, apenas os dois cachorros, que me acompanharam solidariamente até o hotel. Amanhã o homem estaria nos jornais, pensei...
CAPÍTULO XXVII – O SOL NÃO ADIVINHA
Havia já adotado os dois cães quando para minha supresa apareceram na minha janela dois pardais. Eles entravam no quarto e faziam uma grande volta pelo teto do hotel, voltando na janela e novamente fazendo a mesma volta, repetida vezes até me fazer ir a janela e observar que um dos pardais se dirigia a um apartamento de frente pro meu. Ele especificamente parava em uma janela e parecia conversar com outros pássaros.
Tomado de curiosidade fui ao prédio ao lado , no quarto andar, e me deparei com um barulheira de animais do outro lado da porta. Arrombei a porta e para minha supresa, o apartamento estava cheio de gaiolas de pássaros silvestres e muitos em extinção. Soltei todas aqueles que podiam voar e liguei para a polícia do próprio apartamento saindo imediatamente. No final do corredor , um homem trajado como um guerreiro africano , com um arco na mão e as flechas transpassadas pelo corpo semi nu,e ainda, um objeto na mão que parecia um maracá com imensas palhas caindo como uma cascata. Ele me olhou e levantou seu arco como um sinal de gratidão.
Do meu prédio vi a polícia levando um homem algemado e colocando em um carro todas as aves apreendidas. Até o final da semana, minha janela foi ponto de pardais e outros passarinhos, parecia que eles me agradeciam.

CAPÍTULO XXVIII – QUEM ANDA NA AREIA DA PRAIA RECEBE DO VENTO SAUDADES DO SEU AMOR
Andando e firmando meus passos nas areias da praia, resolvi ver o por do sol, naquele dia, caindo sobre o mar. Parecia que alguém havia me levado até lá. Parecia obrigação. Levantei cedo da cama com essa vontade de ver o mar.
Já no final da tarde fui supreendido pela imagem de Ellen andando sobre o mar. Ela trajava um lindo vestido branco com um véu na cabeça e estava cercada de nove mulheres com o mesmo traje. Ela me olhava melancolicamente e sentia que eu sofria com aquela imagem. De longe, nossos pensamentos se cruzaram. Ela disse que estava bem e que estava feliz. Falou do seu filho como se fosse meu. Sorriu e pediu-me um favor.
Naquele final de tarde fiquei incubido de cuidar das águas daquele mar, fazendo sempre campanhas para não polui-lo e ainda concientizar para a preservação das águas de suas águas. Fazendo isso estaria me preseervando e salvando a vida de Ellen, pois ela agora dependia do mar para viver. Ela também me prometeu orar por mim, bem como , me esperar até o fim de meus dias na terra. Falou-me que sentia falta da minha boca e que um dia se entregaria em sonhos para mim. Ellen se foi me deixando a missão. Ao lado das belas mulheres de branco , uma ainda mais bonita e com uma luz que não posso descrever levou Ellen me deixando apenas vendo a força das ondas sobre a areia.
CAPÍTULO XXIX – FAÇO DE MIM O QUE POSSO
Dos dias que se passaram , foram de inteira satisfação. Sentia-me mais leve e quase não guardava o rancor de meus pais. Estava com dinheiro suficiente para viver mais três meses naquele hotel vagabundo que já chamava de casa. Adorava também tudo de mais medíocre que existia naquele bairro: as ruas sujas, a batata frita murcha  e a cerveja quente, bem como , as comidas do china impregnadas de molho de soja. Gostava das ruas ,dos becos, dos bares, do jogo do bicho, dos sons da noite que a avenida e o hotel produziam; gostava mais de mim.
Numa dessas noites tranquilas de sono em dias, e estômago cheio, quase adormecendo, vi ao meu lado oito figuras bem familiares. O homem de terno branco e gravata vermelha, o homem de terno preto e sapato bicolor, a mulher das sete saias, o homem da capa vermelha mais as três ciganas que salvaram as crianças. Todos bem sérios e compenetrados. Eles fizeram um corredor, recebendo ordens do homem de capa vermelha,dividindo-se para cada lado com que abrindo um caminho para alguém passar. O homem de terno preto e sapato bicolor não recebeu ordens do homem de capa vermelha, mas abaixou a cabeça quando um homem todo de azul e espada na mão se aproximou de mim. Sua luz me fez sentir ainda mais confiante; ele com um golpe forjou uma espada no ar e me deu de presente olhando firme em meus olhos. As horas foram tranquilas e a noite de melhor sono e sonhos que tive.
CAPÍTULO XXX – ENTRE CANÇOES QUE OUVI, ENTRE NOTÍCIAS QUE LI
Da vida, levo a certeza de que cada dia é um dia diferente. Da minhas angústias o melhor remédio é caminhar pelas ruas da cidade. Dos meus passos também trituro minhas dúvidas sobre o futuro. Fui criado para ser alguém na vida, desde que advogado, engenheiro e ou médico. Um alguém já traçado e carcomido pelos padrões sociais vigentes. Do sucesso da escola ,como melhor aluno, ao fracasso e desânimo da faculdade e aos dias posteriores a formatura , havia me transformado em um homem amargo e sem destino.
Pouco sobrou daquele homem que apanhava calado e quieto da mãe , muito pouco daquele que amava uma adolescente do andar de baixo do seu apartamento, menos ainda daquele menino que se masturbava para revistas pornográficas. Hoje, sou bem mais o homem que faz boas ações e salva, a seu modo, algumas pessoas e castiga outras. Sou bem mais aquele que segue mulheres e homens da rua e que é guiado pela espada , pela força e pela luz de um ser bem maior que eu. Sou também aquele homem que beija mulheres que cobram, que roubam e que saciam sua fome e me beijam com gosto de molho de soja entre os dentes.
Sou mais um ser humano entre tantos outros dentro dessa cidade, que não pensa no presente e continua , de uma certa forma sem destino e ou futuro...
É APENAS O COMEÇO

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