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DE TODAS AS MANEIRAS OU A LOIRINHA DA DUVIVIER



Eu me lembro como se fosse hoje: Meus cincos anos de idade foram marcados pelo calor das areias de Copacabana. Minha mãe se distraiu com as belezas da orla e me deixou livre para tirar os chinelos e pisar na areia fofa em direção ao mar. Eu não me lembro o que doeu mais, se os calos que ganhei nos meus pés, ou, o discreto beliscão que mamãe me deu ao me retirar da areia. Meu choro foi contido e desde aquele dia , sempre persegui aquele mar.

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Eu a esperava sempre na Rua Duvivier. Ficava em pé olhando as notícias na banca de jornal e de vez em quando me virava para ver se Carla aparecia na esquina com a Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Olhá-la me fazia bem, seus curtos cabelos loiros e suas roupas sempre apertadas em seu corpo sensual me chamavam a atenção. Gostava de suas pernas e de seu sorriso falso. Àquela hora da noite, o bairro já não fazia distinção das pessoas, mas Carla chamava sempre atenção ou pela forma como se vestia, ou ainda pelo fato de ter uma áurea diferente das mulheres de sua idade. Quando chegava, ela sempre lia meus pensamentos, levava-me direto para orla na Avenida Atlântica. Passeávamos horas contemplando o mar; um gosto que nos uniu. Olhar o mar nos fazia bem, mesmo que de forma divergente, eu e Carla, nos contentávamos em vê-lo de longe ,quase negro, iniciando a madrugada com ondas que quebravam solitárias e faziam o som preponderante daquela orla.De mãos dadas , como adolescentes apaixonados, nos comunicávamos a ponto de sabermos o instante de olharmos um para o outro, para dali nos beijarmos.
Apreciar o mar de Copacabana nos fez cúmplices e até mais parceiros. Não nos julgávamos e nem tão pouco havia cobranças em nossa relação. Era até certo ponto conveniente continuarmos naquele ritmo, mas como o mar, nossa relação teve momentos de ir e vir com mais e ou com menos intensidade. Carla, para mim era a composição de todas as mulheres que tive e desejei. Carla, para mim era mais que o mar de Copacabana. Era um oceano recheado de erros e acertos, risos, raiva, pranto e solidão. Sua mão na minha me falava isso.

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Aos trinta anos, eu me sentia na melhor fase da minha vida. Dois casamentos apressados e mal feitos haviam passado e sabia que estava mais maduro tanto na profissão, quanto na vida pessoal. Não havia nada que comprovasse tal sentimento, a não ser pelo fato das experiências sentimentais desastrosas (que faz com que amadureçamos mais rápido) eu era o mesmo menino bobo que corria atrás do mar como se o mar fosse fugir.
No emprego era de tal forma inútil, que conseguia sumir entre papéis e burocracia sem ser notado e ou cobrado. Era um cidadão comum, como tantos outros, mas com trinta anos, sentia que podia ser um pouco mais além do que era. Esse sentimento me deu força para fazer um acordo no trabalho e ser despedido e também me separar de Leila. Deixei Leila e meu enteado sem um motivo aparente. O que nos levou a mais um discussão inútil daquelas que cada casal faz pelo menos uma vez na semana. Não tive coragem de dizer a Leila que ela era totalmente diferente de mim e que estava com ela para não ficar só.
Adorava seu filho, principalmente porque ele adorava ir à praia e ensaiar aulas de bodyboard no mar. Mas Leila não gostava de mar, de praia, de por do sol na areia. Leila não gostava de maresia, de limonada e mate gelados no verão. Era completamente oposta a tudo que desejei em uma mulher. Adorava piscina. Leila era sem sal.

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O que me chamou atenção em Carla no meio de várias outras mulheres, foi o fato dela ser direta e sem truques. Chamou-me ao canto da boate, pediu-me para pagar sua saída. E ainda me adiantou que não queria fazer nada que não andar pela orla. Pelo menos naquele dia ela queria só ver o mar. Trabalhava há quase dois anos em Copacabana e pouco via as águas da orla. Sabia decorados todos os cantos da Barata Ribeiro e da Nossa Senhora de Copacabana. Mas pouco via o mar.
O mar que tanto a cativou quando veio do interior de Minas Gerais, era pouco contemplado por falta de companhia ou, segundo suas palavras, um homem sensível que pudesse admirá-lo junto com ela. Eu fui sensível o suficiente para fazer seu desejo. Andamos até o mar, ela lavou seus pés, seguimos pela orla do posto dois até o posto seis.Não perguntei nada, falamos pouco, em algum momento eu a abracei. Para mim foi fácil gostar dela, ainda mais pelo fato dela ter o cheiro do mar e da maresia de Copacabana.
Parecia que o perfume natural de sua pele fora impreguinado pelo sabor e cheiro daquela orla. Era fácil gostar dela; além da beleza, resplandecia em seus olhos, um desejo incalculável de fugir do mundo. O que mais um homem como eu pode querer de uma mulher, que não fugir desse mundo?
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Já se passavam das 23 horas e Carla não veio. Sempre fora pontual. Sempre às 22 horas na esquina da Duvivier ela vinha, vestida para a noite e rebolando sobre uma iminente madrugada que pouco reservava de felicidade para ela. Ela não veio. Fez-me passar a vista em quase todo o jornal de domingo. Fez-me ler política e pensar nos seus olhos. Ouvir os ônibus da Avenida passando e imaginar sua boca na minha.Será que nos amamos sem saber?
Ela me fez esperar até meia noite e me mostrou, pelo fato de não ter ido, o quão solitário eu me encontrava. Carla não veio e não quis ver comigo os hotéis iluminando o arco que formava a praia de Copacabana. De todas as formas ou maneiras ela me ensinou a amar no silêncio. Não senti falta de sua voz, queria sua mão se comunicando com a minha. De uma forma ou outra, ela deixava algo em meus dedos quando ia embora. Queria muito naquele momento que ela estivesse comigo, mas Carla não veio. Aquela loirinha da Duvivier ,como a chamava, conseguiu dar um motivo a mais para os meus dias.
 Ela sabia exatamente como me sentia e dizia, como quem profetizasse, que no futuro nos via juntos. Carla não veio, talvez, pelo fato de ter perdido o ônibus da Central, ou por estar de saco cheio de sua vida. Ela não foi ao nosso encontro e me deixou só, vagando pela orla e observando os diversos tipos que saem a noite no bairro. Carla ausentou-se e não me viu entrar no mar e lavar os pés. Não me viu observar o farol e os navios atracados no porto. Não me viu espiar para Niterói olhando o Rio. Carla não veio, e não ouviu da minha mão, que naquele momento, eu me sentia a mesma criança que tirou os chinelos e correu em direção ao mar. Como se o mar fosse fugir, como se o mar fosse Carla.

FIM

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